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Burocracia na Morte

“O conhecimento da Hora só a Deus pertence, só Deus a fará surgir quando tiver de surgir. Ela será penosa nos céus e na terra e surpreender-vos-ás de um momento para o outro.” Maomé

“O conhecimento da Hora só a Deus pertence, só Deus a fará surgir quando tiver de surgir. Ela será penosa nos céus e na terra e surpreender-vos-ás de um momento para o outro.” Maomé

Burocracia na Morte

08
Nov25

161 - O Bisneto do Padre Joaquim - Dia 2 - 19 de novembro de 1949 (sábado) - "O tio Mário" -

Narciso Baeta

Mário Brochado Miranda 5.jpg

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Olhou para o tio Mário e pouco se lembrava dele, muito pouco, rasgos da memória. A prenda que lhe deu em Moçambique, quando visitou os pais, um carro de lata, e nem sabia se tinha sido em Moçambique, e o choro compulsivo da irmã Teresa na altura em que deram a notícia, na casa dos avós maternos em Paço de Arcos, do seu suicídio. Mais nada! Sabia que o futuro iria maltratá-lo e encher-lhe a cabeça de demónios, que lhe acabaram com a vontade de viver. Apetecia-lhe dizer para aceitar a bolsa que iria ganhar em 1959 na especialidade de cardiologia no Hospital Central de Verdun, no Canadá, e não ir pedir autorização à tropa para adiar a incorporação, pois caso o fizesse seria negada e mobilizado para Moçambique inserido num grupo de baterias de artilharia do RA1 de Lisboa, onde iria exercer os cargos de alferes e tenente médico. Chamava-se Mário Brochado de Miranda e como a PIDE andava à procura de um Mário Brochado da UDP, enganou-se e prendeu-o. Foi a partir daqui que os demónios o dominaram. Suicidou-se com 35 anos! Conhecia-o através das fotos das inúmeras festas em que ele participara em Coimbra, onde estudara medicina. Estava quase sempre mascarado, libertava-se através da embriaguez. Miguel reparou que o relógio da casa acabara de dar as badaladas fora das horas do seu relógio de pulso digital, ao mesmo tempo que sentiu um cheiro a naftalina.

- Ao menos podiam ter evoluído, mas não, sempre a mesma coisa sem graça, - exclamou o Mário.

- Quem?? – Perguntou o sobrinho Miguel.

- Os fantasmas! Não ouviu o relógio a tocar sem nexo?

- Mas o tio já tentou falar com eles?

- Essa de “tio”! Tentei de tudo, mas ficam caladinhos. O meu irmão Fernando …  

- O tio Fernando!

Olhou para o hóspede e esboçou um sorriso desconfiado. Continuou:

- O meu irmão Fernando, talvez o único aliado que irá encontrar aqui, diz que eles se escondem nas pinturas dos quadros.

- O tio Fernando, o meu único aliado? E o avô?

- O meu pai deve estar com algum tipo de demência para acreditar na sua estória. Pela minha mãe já estava na estrada!

- Demente ou lúcido, terá visto em mim alguns traços do tio António.

- O António?? Já morreu há 6 anos, era um miúdo.

- Eu sei, 31 de janeiro de 1943 de sarampo com broncopneumonia e abcesso pulmonar, na vossa casa na r. Fernandes Tomaz, 242, Porto, - disse Miguel dando uma palmada na testa, tentando acertar num mosquito.

O gesto fez acender a luz do relógio digital.

- Uma luz no seu braço, o que é isso? – Perguntou o tio com uma cara espantada.

- É um relógio, - e mostrou ao Mário, que se levantou, desaparecendo na noite cerrada.

- Isto é tudo uma loucura!

- Tio espere tenho mais uma pergunta para lhe fazer – pediu o hóspede.

O rapaz de 17 anos parou, olhou para o sobrinho de 63 e retorquiu, encolhendo os ombros:

- Diga lá!

- Não se preocupe com o Inglês e o Latim, para o ano vai entrar no Curso de Medicina na Universidade do Porto.

02
Nov25

160 - O Bisneto do Padre Joaquim - Dia 2 - 19 de novembro de 1949 (sábado) - "O Tio Fernando"

Narciso Baeta

Fernando e Moça.jpg

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Quando o Fernando se afastou, Miguel imitou o uivo de um lobo. O tio parou, olhou e perguntou:

- Acredita em lobisomens?

Miguel lembrou-se das noites na Quinta de Palmazões quando iam visitar a avó Maria nas férias de Natal. O tio Fernando levava-o, e à irmã Tété, para a noite escura e uivava aos lobisomens, apesar da ciência oficial, embebida de aristotelismo, refutar a possibilidade de uniões férteis entre espécies diferentes. Seria o conceito de “mundo” o resultado de erros e fantasias transmitidas de geração em geração? Qual é a essência da vida que permitiu a criação da situação onde os dois agora estavam? O tio Fernando sabia que havia mais coisas no céu e na terra do que alguma vez sonhara a filosofia, por isso tinha uma mente contranatura, e talvez fosse através dele que iria convencer a família Miranda, à qual também pertencia, da realidade que não era a deles.

- Nada morre verdadeiramente – disse, e continuou. – O universo não desperdiça nada, tudo é simplesmente transformado. O meu irmão António está vivo algures.

- Se todos nós estamos, é possível, - respondeu o Miguel.

- O que não percebemos pode ser assustador. Andava eu a escrever sobre civilizações extrassolares, e afinal de extraterrestre não tens nada, viajaste apenas para o passado para chegares aqui.

- Estamos possivelmente ligados por uma espécie de sintonia familiar, a nossa consciência criou a mesma realidade.

- Tenho ali na biblioteca um livro que associa o pensamento a quantos de energia que podem sintonizar pessoas que estejam na mesma onda, da mesma forma que as ondas de rádio na mesma faixa podem ser captadas por aparelhos específicos. Mas pensava que tudo se passava no mesmo tempo. Espinosa dizia que Deus era a natureza e eu acredito agora nisso. A tua presença é sinal da nossa imortalidade basta navegar no tempo.

- Mas até agora fui eu que vim, será que o tio pode ir ao futuro?

Quando a realidade do mundo nos assusta, pode ser reconfortante pensar noutras hipóteses. Essas hipóteses podem perturbar-nos, mas não superam o nosso desejo de fugir à tirania da consciência e aos limites das nossas perceções, para podermos libertar-nos da mente que nos aprisiona. Tudo na esperança de compreender as coisas, principalmente as ilógicas.

- És um viajante, vieste através do tempo - disse o tio Fernando quebrando o silêncio contemplativo.

 - Viajante?

- Sabes o que são Tabuleiros de Ouija?

- Tabuleiros de Ouija?

- Servem para comunicar com quem partiu. O meu pai tem usado esses tabuleiros para tentar falar com o António. Um dia destes aconteceu algo, um “fenómeno espetral” segundo contou à minha mãe, e eu ouvi quando ia a passar pela porta do quarto deles, E apareceste tu!

- Eu não sou um fantasma!

- Dizes tu. Então, quem és?

- O Miguel, seu sobrinho, filho do Jorge!

- És um paradoxo, só deverás nascer em …

- 1960!

- E, no entanto, estás aqui, em 1949, 11 anos antes. Existes e não existes permanentemente, assim o permite a tua energia inconsciente, somos uma ilusão um para o outro.

- E, no entanto, dialogamos e sentimo-nos, - exclamou o Miguel dando um abraço ao tio, fazendo abanar o penico, que transbordou.

Riram-se!

- Para a seguir nos esquecermos, sinal de que os nossos mundos se integraram, para a seguir se desintegrarem. Por alguma razão atravessaste o plano astral. Talvez tenhas passado a membrana com a tua mente, através de uma descarga de adrenalina que causou uma curta explosão num sonho profundo de onda alfa. Os únicos seres superiores com quem possamos entrar em contacto somos nós próprios. Fico descansado, não podemos ser eliminados por outros, porque se interferires nos destinos que conheces arriscas-te a deixares de existir. A minha dúvida sobre a teoria de Einstein de não conseguir explicar correlativos com a velocidade e peso da luz confirmou-se com a tua chegada.

- A minha presença já está afetando a realidade, já estou a interferir, porque em vez do tio manter as dúvidas já tem uma certeza, um conhecimento que pertence ao seu futuro.

- Esperemos que o tempo não seja tão sensível a estas nuances, que elas não quebrem o seu ciclo. Quanto a mim, não passarei de um simples maluco em quem ninguém confiará.

 

“Carta de Marco Aurélio a informar a Tia Glória do internamento do Fernando

20/08/1956

Lá consegui internar o Fernando no regímen livre, para experiência. Também falei com o director das estradas do distrito, que é um antigo condiscípulo, e que me prometeu que o deixaria andar neste regímen de não fazer nada mais algum tempo. Assim como tem as ajudas de custo 70$00 diários, isso dará para o Hospital que são 52$00 diários. Paguei as contas do hotel, 2 semanas, visto ele andar sem dinheiro, e a pensão no hospital até ao dia 30 de setembro. De maneira que ele assim não precise de dinheiro a não ser para pequenas coisas. O melhor será não lhe mandar dinheiro a não ser por meu intermédio, porque eu direi que lhe empresto pois assim ele vem traze-lo logo que receba e não haverá desperdícios. Ele anda um pouco melhor. No próximo sábado tenciono ir às Figueiras e se ele estiver melhor e quiser ir, levo-o comigo. Disponha do sobrinho e amigo, Marco. P.S.: Incluo as contas.”

Os eletrochoques, sem usarem relaxantes ou anestesia, causaram transpiração abundante, subcoma, agitação, gritos, espasmos, ataque epilético, paragem de agitação. Irá culpar a PIDE de tortura, e por arrasto Salazar. Os delírios corriam em paralelo com as suas obrigações profissionais, que nunca foram afetadas, encontrando-se sempre em pleno uso das suas faculdades mentais. Por isso chegou ao topo da carreira de engenheiro de estradas da Junta Autónoma do Porto.

A partir de uma determinada altura da sua vida o Fernando passou a entrar e a sair de estados cognitivos.

Miguel ligou o telemóvel e na pasta “galeria” procurou uma fotografia. Quando a encontrou mostrou-a:

- O tio de smoking e óculos escuros parece um mafioso.

O Fernando agarrou no aparelho e riu-se.

- A festa na Faculdade de Engenharia.

No dia 23 de maio de 1949 o dr. Mário de Miranda teve de arranjar à pressa um smoking, para o filho poder ir ao fecho do Congresso de Engenharia.

- Tio como é que vai a tropa, gosta de Tancos?

- Até agora está tudo calmo.

No dia oito de agosto o Fernando tinha-se apresentado no quartel para frequentar o Curso de Oficiais Milicianos. Iria estar até 1954 onde terminaria no posto de tenente.

- Vai viajar pelo mundo – desabafou o Miguel.

- Viajar?

- Macau, Hong-Kong, Yokohama, Tóquio, Kamakura, Nagoya, Kyoto, Osaka, Kob, Moçambique.

- E vou viver até quando?

O hóspede apercebeu-se do possível erro, falar do futuro, apesar de ter uma vontade imensa para o fazer, e mudou de assunto, nunca poderia dizer ao tio que iria morrer na casa de Palmazões, no dia 11 de novembro de 1990, às 11H00, com 65 anos, porque as consequências poderiam ser desastrosas para si.

- Preciso de ir fazer xixi!

A casa era grande e arejada, tinha 8 divisões, cozinha de chão térreo e telha vã, para suspender o fumeiro e a rede onde se deitavam as castanhas para secar ao fumo e ficarem piladas. Não tinham água corrente, era transportada em cântaros à cabeça de uma nascente a 200 metros abaixo, por uma criada descalça quase exclusivamente dedicada a essa tarefa. Na casa de banho havia uma banheira grande de zinco, uma sanita, um estrado de madeira sobrelevado com um orifício redondo que vazava diretamente para um rego, uns 5 metros abaixo. Ao sair deu de caras com a avó que exclamou:

- Isto não está a acontecer, - recusando a realidade que estava à sua frente.

O que todos não sabiam era que a realidade não era pré-definida, o Miguel não passava de um paroxismo de algo que sempre estivera lá, era essa a correlação entre os genes e a gravidade quântica, que permitia manipular o espaço-tempo, neste caso inconscientemente, porque também era um assunto do futuro para o bisneto do padre Joaquim. As fórmulas para transpor as ondas de matéria, que permitiam traçar uma viagem para outro lugar, e para outra altura, ainda estavam muito distantes, apareceriam na altura em que as naves fossem dirigidas pela Inteligência Artificial, que as tornariam vivas, permitindo que as suas ondas de matéria crescessem e se modificassem, abrindo caminho para o passado. Fernando abraçou repentinamente o sobrinho e ele correspondeu com a mesma força. O tio afastou a cabeça, olhou para o hóspede e este reparou nos olhos húmidos de emoção, tal como estavam os dele. Como era possível sentir-se assim sobre alguém que ainda não tinha conhecido? Talvez o Fernando estivesse a sentir que as ondas gravitacionais estavam a levar a consciência do Miguel a escorregar para o tempo dele. O espaço-tempo estava a desdobrar-se!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

26
Out25

159 - O Bisneto do Padre Joaquim - Dia 1 - 18 de novembro de 1949 (sexta-feira) - "Conversa com o pai"

Narciso Baeta

Jorge Brochado de Miranda 1.jpg

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Após o jantar, sopa de legumes, arroz de feijão e couves com pedaços de carne, figos e doce de chila, que o convidado nunca mais comera desde a morte da avó, Miguel subiu ao primeiro andar e esqueceu-se do tempo e de si próprio, estava impessoal e sem nome, suspenso no seu alheamento, tudo era sobra neste mundo com personagens caóticas e orgânicas, onde todos eram prisioneiros num ambiente claustrofóbico e insano. Estava na sala de visitas a olhar para as fotos do telemóvel quando sentiu uma respiração na penumbra da sala:

- A curiosidade trouxe-me aqui, - disse uma voz com um travo de tédio, resguardando-se cuidadosamente do olhar daquele mundo de emoções.

- Pai!??

Miguel viu no olhar do Jorge, iluminado pela luz do telemóvel, uma vontade de falar, porque gritava sem voz naquele mundo silencioso onde todos se tinham recolhido. Pai e filho encontravam-se numa encruzilhada da vida com culpas cósmicas, que tinham estilhaçado as fronteiras formais daquele espaço.

- Quem são essas senhoritas bem-parecidas? – Perguntou o jovem com um ar malandro, olhando para a fotografia que ocupava todo o écran do aparelho.

- A Catarina e a Teresa, tuas filhas!

“Tuas”??? Miguel nunca tinha tratado o pai por “tu”. Olhou para ele e sentiu a vida toda, a incompreensão da situação, a incapacidade de falar, uma vontade num ir embora. Sentia-se uma tensão no ar. O ambiente emocional tinha agora tomado uma forma, a fronteira entre a sanidade e a loucura aumentara, sentiu aquele imenso espaço existencial frio. Para o jovem Jorge o Universo era uma máquina lógica e racional, acessível unicamente através dos conhecimentos matemáticos e geométricos, que explicavam a experiência sensível. Miguel sabia que nove anos depois, a 15 de outubro de 1958, o pai, como capitão, iria ultrapassar, nos Estados Unidos, a barreira do som aos comandos dum F-86 Sabre Jet. Mas agora uma força desconhecida, distinta da energia que ele estudara na química e na física, desafiava todas as suas convicções, desde que um senhor de 62 anos aparecera e lhe chamara “pai”, a ele, um jovem adulto com 20 anos. E para baralhar ainda mais a situação o Dr. Mário de Miranda, seu pai, a sua referência, que louvara sempre a razão e a ciência como únicos guias fiáveis da vida, convidara o desconhecido, que o tratava por “avô”, para pernoitar.

- O que é que o senhor faz na vida? – Perguntou baixinho, com vergonha.

- Professor de Educação Física!

- Educação Física?? Que disparate!

- Contou à avó o incidente em Aveiro?

- Incidente em Aveiro??

- Sim, no dia 5 de fevereiro bateu com a asa do avião num mastro dum barco, em Aveiro. Ia a rasar o terreno em direção à base de Espinho.

- Não pode contar isso à minha mãe.

- Eu sei, o avô está sempre a pedir nas cartas para não rasar as copas das árvores quando faz visitas nas horas de voo, fica sempre muito nervosa. E também sei do caso da manga que bateu na água em maio.

- Mas como é possível?

Miguel ligou o telemóvel e mostrou a fotografia dos relatos, manuscritos pelo pai nas suas memórias:

“1949, 5 de fevereiro.

Por alturas de Aveiro, voando a rasar o terreno, com um céu azul puro, sem uma nuvem, uma luminosidade intensa, o sol a refletir-se nas águas da ria, alguns barcos moliceiros de cores vivas a compor aquele quadro de beleza inebriante intensificada por alguns restos de vapores das libações do almoço, embati com a asa direita num mastro de um desses barcos. Foi uma pancada seca de que resultou uma pequena reentrância na asa, e o mastro certamente partido ou caído na água. Não foi mais do que isto e não teve outras consequências. Daí a pouco aterrava em Espinho com a asa ferida, consequência da “descolagem da caça” depois de um lauto almoço.” – Jorge

“19 de maio de 1949

Para rebocar o alvo de tiro ar-ar estava-nos atribuído um avião bi-lugar Miles Martinet, equipado com um dispositivo que permitia accionar o cabo de aço de reboque. O alvo, um saco tipo manga de vento, era largado e recolhido com o avião já em voo por um operador que seguia no lugar de traz. Ainda recordo um dia em que me coube a mim fazer o reboque da manga e o tecto de nuvens, tendo começado a avançar e a baixar do mar para terra como era costume em Espinho em certas épocas do ano, me obrigou a descer para uma altura já fora dos limites de segurança. Em vez de interromper o voo, como aconselhavam as circunstâncias, insisti em continuar um pouco mais até que a manga bateu no mar. Ao sentir no avião a prisão daí resultante tive de fazer rapidamente o que já devia ter feito, abortar a missão e recolher a manga.” - Jorge

 

O Jorge não disse mais nada quando acabou a leitura, saiu silencioso da sala a abanar a cabeça. O filho ainda teve tempo de olhar para os pés do pai que lhe relembraram as cartas que os avós lhe enviaram no dia 8/11/1948, “a tua mãe vai tratar das meias de lã: quando estiveste dizias que tinhas os pés frios”, em 23/11/1948 “a mãe manda breve as meias não se tem descuidado” e a de 7/12/1948 “a mãe mandou-te pelo Fernando 4 pares de meias de lã.” Lembrou-se que foi um dos últimos pedidos que o pai fizera no hospital à mulher antes de morrer.

- Pai, as meias que a avó lhe mandou aquecem-lhe os pés?

Miguel deixou cair uma lágrima, só uma, e sentiu um vento puxa-lo, teve uma visão imperfeita de algo suspenso na geografia intemporal do sonho. A fraca luz que emanava do candeeiro a petróleo era a única verdade, estava perdido e sozinho. Tentou acordar, mas em vez disso sentiu o cheiro a campo no lusco-fusco, ao mesmo tempo que era embrulhado pela vertigem do sono e pela queda livre da baba na almofada. No silêncio da noite, deitado na cama, fechou os olhos, inspirou profundamente pelo nariz, expirou calmamente pela boca, ao mesmo tempo que tentava focar-se num ponto do seu caótico universo. Por breves segundos ouviu o barulho longínquo do comboio da linha do Estoril, mais nada.

- Quem de vocês fez o que Deus pediu?

Miguel abriu os olhos, estava numa missa. Olhou para o padre e viu o pai.

- O bisavô! – Riu-se.

- O que distingue os homens dos animais é a capacidade de fazer o sinal da Cruz. – disse o padre Joaquim Ribeiro Alves de Miranda voltado para o povo, que lhe respondeu “Ámen”!

O religioso era um homem vergado sob o peso de uma culpa qualquer, crente absoluto nas virtudes do ensino da Igreja, e das verdades teológicas tradicionais, persignando-se três vezes. Sabia que as velhas beatas que iam à missa, em vez de o ouvirem, passavam o tempo a dizer mal das mães dos seus filhos, distribuindo ferroadas impiedosas e escarrando ódio. Diziam que elas iriam ter dificuldade em entrar no reino dos céus. O padre limitava-se a despejar as suas necessidades nas amigas, voltando-se sempre para o lado direito a dormir, sem se preocupar se elas tinham gostado. Miguel estava na última fila no meio do povo descalço, e junto a uma figura de São Francisco de Assis, com uma caixa de esmolas aos pés. onde colocou uma moeda de dois euros. Sentiu um cheiro intenso a azedo, a mijo, a estrume e a suor. Tirou o telemóvel do bolso e leu no écran a data e o local, 1896. Na fila da frente, onde estavam os mais esclarecidos, no banco esquerdo, levantou-se uma senhora que se encaminhou com solenidade para junto do padre. O bisneto viu de novo a cara do pai no rosto dela e tornou a rir:

- “A minha querida irmã” - pensou.

 - Salmos, capítulo quarenta, versículo nove, - leu Eufrásia Clemente de Miranda no livro que estava nas mãos do irmão, - e continuou. “A Tua lei está no meu coração”!

- Na bênção têm de parar a mão uns segundos quando mencionam o Espírito Santo, - avisou o pároco das freguesias de Gestaçô e Teixeira, com cara de poucos amigos, de dedo em riste, apontado para os presentes. – Deus ouve as lágrimas dos que não choram, a Fé pode encontrar-se nos lugares mais impróprios. Olhem à vossa volta, o vosso mundo é bom? Será maldoso? Quem é culpado? Quem é inocente? Quem são vocês? Olhem para os vossos vizinhos e vejam-se a vós mesmos neles, cada um refletido no outro. Se vieram aqui para receber, sairão pobres, se vieram para entender, sairão perdidos. Se Deus é tudo, então temos em nós divindade.

- Deus é paixão, é intenso, é a Palavra feita carne, - continuou Eufrásia.

O bisavô voltou-se para o crucifixo que estava por cima do altar e disse:

- Misereatum mostri omnipotens Deus et, dimíssus pecatis nostris, perducat nos ad vitam alternuam.

Os calçados responderam “Et cum spiritu teo”, os descamisados limitaram-se a grunhir. A fila da frente estava ocupada pelos 9 filhos do vigário, de que todos sabiam e ninguém falava, frutos de lascívia carnal, que o levava sempre a questionar sobre o que acabara de fazer em alcofa alheia. Exceção para Rosa Pinto que dizia em voz alta serem os seus seis petizes “filhos do padre”: a Christina Augusta, de 30 anos, filha da Ana Miranda, com o meio irmão Aflalo de 2 anos ao colo, tendo ao seu lado outro meio irmão, o António Augusto de 20 anos, seguido do irmão Manuel Augusto de 26 anos, o Augusto Adelino e a Leonor Augusta de 18 anos, não por serem gémeos, mas sim filhos de mães diferentes, o rapaz da Maria Barbosa e a rapariga da Rosa Pinto. Seguia-se a Albertina Augusta de 16 anos, o Mário de Miranda de oito e a Dulce Augusta de cinco, todos filhos da Rosa.

- Diz a lenda que foi no Santuário de La Verna que São Francisco de Assis, - exclamou o sacerdote apontando para a figura que estava num nicho, e continuou, - recebeu os estigmas no dia 17 de setembro de 1224. Cristo ama o que é eterno em cada um de nós, - e desenhou uma cruz no ar.

De repente o telemóvel, que já tinha sido guardado cuidadosamente no bolso, começou a tocar uma música:

- “Senhor faz de mim um instrumento da vossa Paz, onde houver ódio, que eu leve o amor ….”.

Miguel nem queria acreditar no que acontecera, toda a assistência se voltou para ele, mais propriamente para o santo, a cantiga continuou, o bisavô estendeu os braços para o céu, a irmã ajoelhou-se e gritou “milagre”, várias beatas acenderam velas, o tio avô Aflalo aproveitou-se da posição da irmã Christina, que se benzia em desespero e fugiu do seu colo, correndo para a saída, sendo perseguido pelo avô Mário de Miranda, de 8 anos, até que se ouviu um anúncio ao “Mac Chesse, e foi nesse momento que o indicador do Miguel conseguiu desligar o telemóvel que permanecera no bolso. Um silêncio ensurdecedor cobriu o espaço, ninguém se mexia, ouviam-se corvos a crocitar no exterior, até que o padre fez um estalido impaciente com a língua, e proclamou:

- Obrigado meu Deus pelo Teu sinal, o povo de Gestaçô curva-se perante Ti.

A harmonia da missa foi substituída por um caos feito de gritos em voz alta. O povo correu para junto da caixa das esmolas como forma de se salvar do fim de alguma coisa. No exterior as pessoas olhavam em transe para o Sol e ajoelhavam-se.

- Está a rodopiar, - gritavam alguns.

- O nosso santo cantou, Clemente, - disse Eufrásia agarrando-se com força ao irmão. – Faz-me um favor, quando eu morrer enterra-me neste lugar sagrado. Promete-me!

Eufrásia iria ser sepultada perto da porta lateral esquerda da igreja de Gestaçô no ano seguinte. A canção tinha sido uma escolha da Inteligência Artificial da aplicação do “H3”, após a análise dos dados do telemóvel, a data, o local, o tempo e a ocasião. Miguel olhou para a entrada da igreja e reparou que numa parede estava pendurada uma túnica amarela com duas cruzes vermelhas.

- É do Francisco da Maria Azeitona, o Santo Ofício descobriu que andava com duas mulheres e a corda do pescoço tinha três nós, - disse uma mulher vestida de negra, dos pés à cabeça, com um cheiro azedo, benzendo-se.

- Santo Ofício? – Pensou. – Inquisição? Onde é que estou?

Olhou para o telemóvel que indicava “Coimbra 1759”. Recuara no tempo. Leu no Google que aquele fato se chamava “sambenito”, e que os nós que o desgraçado do Chico levara na corda, como dissera a velha, representavam cada um 100 chicotadas. E na pesquisa conseguira descobrir que estava junto à igreja de Santa Cruz, e os arquivos do Santo Ofício de Coimbra com processos registados. O Francisco Joaquim Vasconcelos, agricultor, fora investigado pelo familiar do Santo Ofício da Inquisição de Coimbra, João Cardoso Brochado da Fonseca, capitão das Ordenanças, proprietário da Quinta de Palmazões, em Padronelo.

- Estás aqui neste momento, porque sempre estiveste aqui neste momento, - disse-lhe uma jovem mulher, pondo-lhe uma mão no ombro direito.

Voltou-se e esta apresentou-se:

- Felismina Sara da Providência Nogueira, mulher do teu tio-avô Aflalo.

- Mas

- Nem nasci e já morri para ti, há muito tempo …

- E muito nova …

- 38 anos! O Aflalo irá viver mais 29 anos.

- Quero fazer o testamento, estou no “cabo da vida”, - pediu alguém deitado numa cama, um novo cenário, 18 de abril de 1654.

- Domingos Monteiro, que casou em fevereiro de 1615 com Ana Cardoso proprietária da Quinta de Palmazões, herdeira do irmão António Cardoso, que faleceu solteiro em vinte de janeiro de 1611, - explicou a tia-avó Felismina, e continuou. – Devemos passar pelo sonho como a abelha pela flor.

- Manuel Manha, - chamou o cocheiro da diligência da manhã em Gestaçô.

- Manuel Manha??? – Interrogou-se Miguel, olhando para um “rapaz forte, bem-encarado, solteiro”.

Lembrou-se da descrição do bisavô na carta que enviara em 25 de junho de 1912 para o filho Mário de Miranda, que estava a estudar medicina em Lisboa e residia na rua da Prata, nº 108, 4ºE.

- Manel, não, - gritou o Miguel levantando os braços.

Ele olhou, à medida que avançava para a diligência, sendo de imediato colhido por um chifre dum dos bois que espantava as moscas, que lhe penetrou no lado direito do peito, caindo de imediato e morrendo. A morte, teria sido do destino, ou da distração devido ao grito do desconhecido? O mistério da vida não é um problema para resolver, mas uma realidade a experimentar. Temos de avançar com o fluxo deste processo juntando-nos a ele. Miguel acordou, após ter-se sentido um sonâmbulo a atravessar a neblina de um sono longo, com o barulho das rodas de um carro de bois a chiarem, e quando abriu os olhos viu o rosto de uma mulher de buço a olhar pela janela. Suspirou! Bateram à porta, era uma criada a informar o hóspede de que o pequeno-almoço iria ser servido no andar de baixo. Ao sair da porta quase foi abalroado por um jovem de óculos com um penico na mão, cheio de urina, e um polegar mergulhado no líquido:

- Desculpe, desculpe, - e continuou em passo acelerado até à casa de banho.

- Tio Fernando, - riu-se.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

19
Out25

158 - O Bisneto do Padre Joaquim - Dia 1 - 18 de novembro de 1949 (sexta-feira) - "Na Penumbra da Noite"

Narciso Baeta

Glória e Mário.jpg


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Antes de se deitar o Dr. Mário de Miranda aproximou-se de Maria da Glória, cuja expressão era de dor, e deu-lhe os dois comprimidos “Algimate”.

- E se este senhor diz a verdade, é mesmo nosso neto? – Perguntou baixinho à mulher, na penumbra do quarto.

- E tu acreditas neste disparate? – Reagiu indignada.

- Havia um filósofo que dizia que a ciência só conseguia interpretar arbitrariamente o mundo, e o único meio para chegarmos à verdade é olhá-lo da perspetiva de centenas de olhos. Todos vemos!

- Vemos o quê, Mário? Ele informou-se!

- Maria da Glória, tinha os meus poemas ao António naquele aparelho, vi a minha letra.

- Poemas ao António?

- Estás a ver, nunca te mostrei, escrevi-os para mim com a dor da perda. As noites em Gestaçô com vocês no Porto foram horríveis, dolorosas. Não quis mostrar-te a minha fraqueza, temos ainda três rapazes para criar. O Jorge já está encarrilhado na tropa!

- Onde estão os poemas, mostramos.

- Se nunca os mostrei, agora muito menos, são só para ser lidos no tempo dele. Não pensaste que o Miguel …

- Miguel?? Já estás a tratar o desconhecido por tu! Acorda Mário, és um homem da ciência, não te deixes enganar por esse charlatão. Manda-o embora, para o bem da nossa família. Sabes meu querido, os teus novos comprimidos fizeram-me bem, as dores passaram.

O marido sorriu.

- Fico contente em saber. Ele pode estar a dizer a verdade, as evidências, por mais que não queiramos, estão diante dos nossos olhos.

- Dorme Mário, dorme, o teu mal é sono. Disparate, nosso neto?!!

- Vou dar uma olhadela a estes livros, ainda não tenho sono.

Maria da Glória também estava confusa, por isso não conseguia fechar os olhos, e o medicamento ajudava na insónia. O marido, um homem tão racional, estava com dúvidas. A verdade era um erro necessário à vida, mesmo que fosse falsa, para que não se interferisse com o fluxo dela, e pôr em causa a sobrevivência de todos. Mário de Miranda, o fundador da Santa Casa da Misericórdia de Baião em 1933, que construíra o hospital, sabia o que tinha visto e sentido, sentia que aquele desconhecido mexera com as suas verdades absolutas, e era, sem dúvida, um conhecedor do seu futuro. Sentiu medo, não por si, porque já sabia qual era o seu destino, mais um segredo, mas pelos seus filhos, o Jorge, o Mário, o Victor e o Fernando. Se eles soubessem como iriam ser as suas vidas? Isso sim, era o verdadeiro perigo que o hóspede representava. Foi distraído por um mosquito a tocar violino no seu ouvido. Mário de Miranda esteve parte da noite a reler as teorias do seu colega Hermann von Helmholtz sobre o princípio da conservação da energia. Adormeceu com um dos livros na mão e os óculos na ponta do nariz.

- “A mecânica do Calor”, Julius von Mayer, - leu Maria da Glória tirando-lhe a obra da mão. – No que é que estás a pensar, meu velho?

Deu-lhe um beijo. Mário sonhava agora com a possível repetição dos estados do mundo, do eterno retorno, da possibilidade de cada pessoa poder regressar infinitas vezes e todas as coisas com ele, onde se incluía o seu filho António. Se fosse verdade que o Universo tivesse um número finito de partículas, também teria um número finito de combinações, a química tiraria partido das condições cósmicas, e a presença do Miguel era a prova disso. A combinação do António também se poderia repetir a partir daquele estranho aparelho que o neto trouxera? Existiriam diferentes versões de nós?

14
Out25

157 - O Bisneto do Padre Joaquim - Dia 1 - 18 de novembro de 1949 (sexta-feira) - "Prova de Vidas"

Narciso Baeta

Mário Miranda e filho Jorge Miranda.jpg

3

O avô acompanhou-o até aos limites da casa e desejou-lhe uma boa-tarde, pedindo-lhe educadamente para que não os voltasse a incomodar.

- Dá-me uma última oportunidade para tentar esclarecer as dúvidas, Dr. Mário de Miranda? Ou será Mário Joaquim Ribeiro Alves de Miranda, como sempre desejou, mas que o seu pai não registou?

- O que é que o senhor quer dizer com isso? – Perguntou, já um pouco transtornado.

- Sei que o avô ….

- Não me chame de “avô”, o senhor é mais velho que eu. Não posso estar a perder tempo com fantasias, tenho mais em que pensar!

- No seu cancro do pâncreas?

- Como é que sabe disso? É confidencial, não contei a ninguém, os rapazes não podem saber.

- Avô, é tudo verdade, venho de 2023, sou o seu neto Miguel, filho do Jorge. Vim visitar-vos, o meu pai morreu no dia 2 de abril de 2022. Não me peça explicações sobre isto tudo, porque eu também não sei dá-las. Mas esteja descansado, o destino de todos não será revelado, eu não vim aqui para mudar o passado.

Mário de Miranda sentou-se num muro, tirou um lenço do bolso esquerdo do casaco, ajeitou os óculos, e limpou a testa.

- Fantástico! – Exclamou, olhando pela primeira vez para o neto. – Mas ainda tenho dúvidas!

- Ambos temos, e muitas, - retorquiu Miguel mostrando-lhe uma foto de 1943.

- Os meus versos para o António? Mas como é que os conseguiu? Não mostrei a ninguém, tenho-os guardados na escrivaninha!

 

“Filho perdido!

Cobriu-se-me de sombra o claro dia

Por onde a frágil vida me levava;

Por ele venturoso caminhava

Dos meus entre o amor e a alegria.

 

Ao meu filho querido eu já o via

No meio dos triunfos que sonhava!...

Passou a asa da morte e transformara

Curta manhã de sol em noite fria.

 

Como relíquia nesta solidão

Deixou-me n’ alma o derradeiro beijo

Da sua primavera inda em botão,

 

O adeus supremo o último lampejo.

E chamo: - António! Filho!.. Mas em vão

Ansioso o vou buscando e não o vejo.

 

Penaventosa

Abril 1943”

 

O Miguel sabia que o tio António tivera uma vida efémera, nascera em Baião, a 20 de abril, dois dias depois dele, em 1930, dia de Páscoa, às 0H30 em Penaventosa, freguesia de Campelo, e morrera no dia 31 de janeiro de 1943 de sarampo com broncopneumonia e abcesso pulmonar na casa de família na rua Fernandes Tomaz, 242, Porto. Doze anos, somente doze anos! No ano seguinte a Penicilina foi introduzida em Portugal pela Cruz Vermelha.

- Fantástico aparelho, como é que disseste que se chama?

Miguel esboçou um sorriso ao se aperceber que o avô Mário o tratara agora por “tu”.

- Telemóvel, chama-se telemóvel, e serve para muita coisa, mas é principalmente um telefone.

- Como é que o texto sobe?

O neto aproximou-se do visor e arrastou-o com os dedos, passando para o outro verso.

 

“Angústia

Em sonhos o meu filho bem amado

Veio aquecer a minha solidão:

Entrei no mundo irreal da ilusão

Do seu límpido olhar iluminado!

 

Contra o peito o seu peito magoado

Cingi a dar-me alento ao coração!

Meiga cara era sol! Com seu clarão

Deixou-me por instantes deslumbrado!

 

Acorre a mãe dorida de ternura

E o nosso amor o vai acalentando …

O doce sonho teve pouca dura

 

E foi-se, como sonho, dissipando …

Se me havia de fugir a visão pura

Ai! – porque não continuei sonhando?!!

 

Penaventosa

Maio 1943”

 

- Foi duro avô, perder um filho assim tão novo. O meu pai praticamente nunca falou dele, aliás falou muito pouco de vocês, optou por escrever.

- Não se recupera de uma perda destas. Ainda tenho uma sensação visceral de que ele está vivo. Em breve estarei com ele, não é? Sinto a presença do António, é como se ele tivesse acabado de sair para a escola.

- Não sei, não sei!

- Não sabes? Mas estás aqui, sabes mais do que eu!

- Sei que estou aqui, mas não sei como.

- Gostava de adormecer como tu e rever o António. Se alguma vez souberes onde fica a passagem para esse mundo paralelo diz-me. Houve uma coincidência estranha no dia da morte, 31 de janeiro, em 1943, pois foi o mesmo dia e mês do nascimento do meu pai, teu bisavô, em 1838.

Fez-se o silêncio das memórias, até que Mário de Miranda se levantou, abraçou o neto e convidou-o:

- Vem, ficas por cá o tempo que quiseres, temos muito para conversar, e uma coisa é certa, estamos os dois no mesmo dia, que é o sítio onde ambos estamos obrigados a viver. A tua viagem tem uma razão ou propósito. Talvez a energia do António ande por aí, e a sua substância material esteja com ele. O teu aparelho já conserva algo, a imagem. Será que podíamos ir mais longe? Fica, fica o tempo que quiseres, espero que seja muito. Talvez conheças mais um tio!

- Se deixar ir o António, ele libertar-se-á e talvez regresse com mais facilidade. Em 1956 uma ambulância que irá ser oferecida à Santa Casa da Misericórdia de Baião terá como madrinha a avó!

- A minha viúva! Tenho de ir tratar dela, está outra vez cheia de dores.

- É a ciática da avó?

- Como é que tu sabes?

Miguel abriu os braços com as palmas das mãos viradas para a frente e levantou os ombros, ao mesmo tempo que sorria.

- Esquece, tens razão. Estou-lhe aplicando umas injeções nas veias, diariamente, que parece a vão curando, embora lentamente.

O hóspede abriu a bolsa que trazia pendurada à cintura e tirou 4 comprimidos.

- Dê dois à avó!

O dr. Mário de Miranda olhou para o remédio e leu:

- “Algimate”?

- É para as dores!

- E como é que os tiro daqui?

- Carregue no comprimido.

Quando se despediram o neto ainda reforçou:

- Sei que o avô salvou um rapaz de morrer afogado no rio Teixeira, no verão de 1904. E em 1921, dia 30 de março salvou outro na praia da Polana, em Lourenço Marques reanimando-o.

- Como é que sabes? Que pergunta estúpida!

- Li a carta que escreveu em 1932 ao Diretor do Instituto dos Socorros a Náufragos a candidatar-se a uma medalha. A propósito, como é que o processo andou, não descobri qualquer registo nos papéis do meu pai?

- Nem me respondeu!

- A notícia no “Lourenço Marques Guardian” do dia 30 de março de 1921 ficou para a posteridade, a medalha seria só mais uma carica.

- Carica?

- Uma rolha! Um exemplar do jornal está arquivado na Torre do Tombo em Lisboa.

O homem só é forte pelas pessoas que o rodeiam, pela comunidade que serve e pela família que se comprometeu proteger. A força vai busca-la a eles, e por eles tem de estar preparado para dar tudo. A sua vida através do seu sangue, senão tudo o que fez não servirá para nada. Ele é nada. Mário de Miranda, como homem da ciência, ficou a pensar em tudo e em nada, por isso foi à biblioteca e escolheu dois livros, que levou para o quarto. Não disse que revia o seu filho Jorge no hóspede. Uma coisa o bisneto do padre Joaquim já notara, a energia do seu telemóvel conservava-se nos cem por cento, e a data estava atualizada: 18 de novembro de 1949!

09
Out25

156 - O Bisneto do Padre Joaquim - Dia 1 - 18 de novembro de 1949 (sexta-feira) - "Acompanho-o à estrada!"

Narciso Baeta

Mário Miranda 3.jpg

2

Miguel estava à procura do centro do sonho, rodeado por um nevoeiro espesso, tentando encontrar o interruptor que acendesse a luz no meio deste alucinante sonho, que era tão real. Conseguiu, por breves instantes, quando viu passar um avião no reflexo do vidro da janela, ao mesmo tempo que derrubava a garrafa de água na mesa de cabeceira, sinal de que o seu tempo ainda existia, para logo se desfazer. Emocionou-se, deixando cair mais uma lágrima, quando encarou de novo o pai. A cena estava a ser vivida algures num tempo que tanto tinha de longínquo, como de próximo, e era isto que lhes permitia viver o espaço dentro das suas mentes, mostrando a realidade do imaginário coletivo, mais real do que tudo o que viam e que os rodeava.

- Desembuche homem, desembuche, o que é que realmente o traz aqui? – Perguntou o Dr. Mário de Miranda, já mostrando alguma impaciência fulminante contra o intruso que aparecera por ali, de geração espontânea, dizendo ser da família.

O Jorge, o pai do forasteiro, esboçou um sorriso trocista, deixando escapar uns “xs” impercetíveis. O Victor Hugo adotou uma atitude mais desafiante, batendo com a ponta do pé direito no chão, não fosse ele um futuro jogador de rugby da Universidade de Agronomia de Lisboa, onde iria ser talonador nos anos de 1952/53 e 1953/54. A prima Ilda, sentada no degrau do meio, na ponta esquerda da foto, com o Joaquim ao seu lado, filho da tia Dulce e do tio Amador, acabados de chegar do Brasil, sorriu, não deixando sair um pensamento, “um tontinho vestido de uma forma estranha”. O discurso do avô paterno Mário de Miranda estava cheio de curvas, o neto Miguel, mais velho do que ele, procurava desesperado um porto seguro, que lentamente se foi deslocando para o futuro, e por isso o inesperado tornou-se o esperado: tirou o telemóvel do bolso e abriu a pasta da “galeria”, onde guardava nos “favoritos” muitas fotos antigas da família. Todos estavam desassossegados, perdidos nos mundos que se desfaziam lentamente. Mário de Miranda parecia estar cansado de si mesmo. Saberia já o seu destino, teria já conhecimento do seu diagnóstico fatal? Houve uma breve pausa de sossego, crescia a possibilidade de considerar o mundo a partir de diferentes pontos de vista, de fragmentos, sem que nenhum fosse falso. Mas o avô do Miguel levantou-se e disse:

- Acompanho-o à estrada!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

04
Out25

155 - O Bisneto do Padre Joaquim - Dia 1 - 18 de novembro de 1949 - (sexta-feira) - "O Encontro"

Narciso Baeta

Amarante 1.jpg

1

“Uma coisa não deixa de ser verdadeira só porque não é aceite por muitos”

Espinosa

 

Somos todos descendentes de nobres, vadios e padres, e apenas na morte podemos ser imortais, mas antes de morrermos todas as recordações e sentimentos da vida regressam com o mesmo deslumbramento da primeira vez, através de portas que se fecham e de outras que se abrem em lugares inesperados. No momento da morte a nossa mente esforça-se mais um pouco para sobreviver, e a última coisa que vê é o rosto dos seus entes queridos. Através dos filhos persistimos para sempre, por isso nunca nos conseguimos desprender daquilo que perdemos porque estamos impedidos de perecer. As coisas aconteceram, mas não se propagaram, estão desde sempre num lugar que não se pode definir, nem ressuscitar, nem reparar. As nossas vidas são feitas com a morte dos outros, quer sejam pessoas ou células, é por isso que vivemos várias vidas. Amamos pessoas que morreram, qual é a utilidade social disso? Nada! Ou tem um significado que não podemos compreender no mundo dos vivos, como a prova da existência de algo superior. O amor é a única coisa que transcreve o tempo e o espaço. Na noite de 5 de abril de 2023 Miguel sentiu uma entidade estranha, não corpórea, porque não podia tocar, mas podia escutar e encarar como um ponto de luz, o estranho candeeiro da parede do quarto que sempre tivera vida própria. Viu a imagem limpinha de um homem, sem espessura. E foi através de um sussurro saído de um sonho, onde as oscilações quânticas dos eletrões espalhados pelo quarto se emaranharam com as partículas dos núcleos de fósforos das suas células que o Miguel, cujo pai se chamava Jorge, deu de caras com um dos nove filhos, Mário de Miranda, de três mulheres, Ana Miranda, Maria de Barbosa e Rosa Pinto, do pároco das freguesias de Gestaçô e Teixeira, Joaquim Ribeiro Alves de Miranda, Senhor da Casa de Quintela, que nascera no dia 31 de janeiro de 1830 e falecera no dia 17 de setembro de 1912.

- O que distingue os homens dos animais é a capacidade de fazer o sinal da Cruz, - proclamava com frequência nas suas homilias, destreza que dizia ser fundamental na primeira triagem do São Pedro para o Paraíso, pois quem não o fizesse corretamente iria para outra freguesia.

Todos tinham sido criados com a ajuda preciosa da tia Eufrásia Clemente de Miranda, a “minha santa irmã”, como costumava dizer o prior de cada vez que se referia a ela, sepultada na Igreja de Gestaçô perto da porta lateral esquerda, dias depois de falecer com 60 anos em 1897. A questão com que cada um se debate é como vivemos com a nossa sobrevivência? Como damos uso a esta vida que ainda temos? Com as memórias, carregamos a alegria e a dor de muitos, o passado diz-nos como sobreviver, e quando se junta ao acaso forma o elemento básico da evolução.

No dia 1 de junho de 2023, Miguel nunca imaginaria que, durante a visita à igreja de Gestaçô, iria ser transportado para a porta da Quinta de Palmazões no ano de 1949, dia 18 de novembro, sexta-feira. E tudo porque na capela-mor, perto da cadeira paroquial, havia uma deformidade quântica, com uma membrana tão fina na sepultura de Agostinho Clemente de Miranda que, juntamente com o efeito da gravidade, que pode atravessar todas as dimensões, incluindo o tempo, uniu inesperadamente duas pontas do Universo, devido a uma anomalia nos impulsos eletromagnéticos na igreja, e o ADN comum de ambos forçou a sua passagem. Caiu desamparado num buraco que se abriu no chão, a escuridão iluminou-se com uma explosão de luz e de pó das estrelas, a girar à sua volta, e à medida que esvoaçava deixava um rasto de fumo, que ia mudando constantemente de forma. A família, que a pouco e pouco se apagara, estava ali renascida como uma fénix.

Os sentimentos são livres, mas são raras as vezes que as pessoas se atrevem a obedecer, o que não era o caso do Miguel. Por isso disse em voz alta ao ver o Jorge encostado à mãe no topo da escada:

- Pai!

Todos ficaram estáticos, atónitos, Miguel sentia o peso do olhar do grupo sentado nos degraus da porta de entrada da casa da Quinta da Telheira, ninguém possuía as ferramentas para superar este teste do tempo. Miguel, de 62 anos, olhava emocionado para o Jorge de vinte. Deixou cair uma lágrima, só uma. Ao lado da avó paterna estava o marido, Mário de Miranda, com óculos, médico, 61 anos, que o Miguel sabia que iria morrer no ano seguinte, no dia 22 de junho de 1950 às dez e meia da noite, no Hospital da Ordem do Terço, no Porto, onde seria submetido a uma operação a um cancro pancreático.

- Bom dia caro senhor, o que podemos fazer por si? – Perguntou o avô, que ele sabia que gostava de caçar codornizes, tinha lido numa nota que o pai deixara escrita, e que escrevera numa carta, enviada do Gerês, no dia 13 de agosto de 1928, para a mulher Maria da Glória, “eu animo pouco porque não danço, no entanto gosto de ver dançar”, mexendo somente os lábios, esforçando-se para se manter sereno perante tão invulgar situação.

A normalidade do tempo não existe, é apenas a forma como os homens se defendem da ideia da morte. Tudo pode acontecer por uma razão. Os minutos estavam divergentes, diferentes em algo, estranhos. Diferentes na maneira de viver no mundo, e especiais em casos como este, pois tudo indicava que tinham estado sempre ali. Miguel fechou os olhos procurando refúgio na escuridão. Beliscou-se, mexeu-se, gritou, mas quando os abriu viu-os de novo.

- Um maluquinho! – Exclamou o Jorge com a sua voz “saloia, fanhosa, ridícula”, como a iria definir dois anos depois, após a ouvir numa gravação feita durante uma visita aos estúdios da BBC, no decorrer das filmagens do filme “Angels one five”, onde iria participar como figurante aos comandos dum Hurricane MK II C, integrado numa esquadrilha de 5 aviões portugueses.

Miguel tentava agora compreender uma parte do mundo que antes não entendia, a possibilidade de regressar ao passado, uma possibilidade do eterno retorno, que só pensava ser possível após a morte, mas que neste caso acontecia em vida. Sentia-se bem vivo numa união com tudo e todos.

- Que brincadeira é esta? – Perguntou o Vítor, de 21 anos, com um olhar provocador, gravata às riscas e meias brancas.

Miguel olhou para o futuro campeão nacional de rugby e futuro especialista em “isótopos radioativos”, e limitou-se a encolher os ombros.

- Que disparate, - interveio a tia Dulce, cujo sobrinho Victor a fora esperar ao vapor que atracara no porto de Lisboa, juntamente com o marido, Amador, mãe do Joaquim e nora da Ilda, também ali sentados. – A moda do Brasil já chegou aqui, malandros a fazerem-se passar por familiares.

O tio Mário estava de camisa clara, e a única recordação era o carro de brincar que lhe dera na visita que futuramente, mais de dez anos depois, iria fazer-lhes a Moçambique, já como médico. De resto, só guardava um fragmento da irmã Teresa a chorar copiosamente na casa da Dona Aninhas, que fazia uns saudosos biscoitos de canela, cujo rés-do-chão estava alugado à Bá e ao Mene, avós maternos, na rua Lino de Assunção, em Paço de Arcos, após serem informados do suicídio do “potencial” cardiologista no dia seis de setembro de 1967 às 10H30, no Hospital de Santa Maria, de “fratura do crânio com laceração de encéfalo”.

- Que idade é que o senhor tem? – Perguntou, fixando o olhar no desconhecido.

- 62!

- 62?? E chamou pai ao meu irmão Jorge?

- Sim, ele é o meu pai!

- Até a idade é mentira, - gritou exaltada a convidada. – O meu primo Mário, aliás Dr. Mário de Miranda, tem 61, e o senhor, nem sei se lhe posso chamar isso, diz que é mais velho e nem uma ruga tem. Tenha paciência, vá enganar outros.

- Calma Duce, não te zangues, - tentou o marido.

- Gostou da estadia em Vidago, tia Dulce? – Perguntou o Miguel, tentando desanuviar o ambiente. – Sei que se casou no dia 6 de agosto de 1916, e os padrinhos foram o meu tio avô António, filho da Rosa Pinto, casado com a tia Eva. O registo civil foi em casa e o ajudante cobrou cinco escudos por esta cerimónia. À noite decorreu na igreja. O tio Aflalo contou, numa carta que enviou para o meu avô Mário, que estava como tenente médico no Hospital de Lourenço Marques, que tinha tido problemas à saída com os irmãos do Eduardo Miranda. Sei também que é madrinha do meu tio Mário, que no dia do batizado, a 17 de abril de 1933, por estar no Brasil foi representada por procuração pelo meu tio avô paterno Aflalo de Miranda.

- Isso é tudo muito bonito meu caro senhor – retorquiu a tia Dulce com o indicador apontado ao desconhecido. - Leu as datas nos livros das igrejas e agora debita-as.

- Pergunte tia Dulce, mas não espere que eu saiba tudo!

- Qual foi a data do batizado do meu filho Joaquim?

Miguel procurou por breves momentos no telemóvel, e respondeu:

 - 1 de março de 1920, no Brasil. Tinha 2 anos, e na carta que enviou ao meu avô a 10 de março de 1920 para Lourenço Marques, dizia que ele estava “muito atrasado no falar, mas chama-te «doudô»”.

A cadela branca escondeu-se atrás do tio Fernando

- Meu Deus - exclamou o Amador, benzendo-se.

- O que quer que possa acontecer, acontece! – disse o tio Fernando.

 

 

19
Fev23

154 - Remédios

Narciso Baeta

 

Guerra.jpg

 

Quando o coração da freira filipina Remédios Garibaldi bateu pela última vez todas as recordações e sentimentos da vida regressaram com o mesmo deslumbramento da primeira vez, viu fecharem-se portas para sempre e viu outras a abrirem-se de rompante, tendo conseguido ver, pela primeira vez, a cara do assassino do seu marido, que morrera durante a guerra civil de Espanha, acontecimento que a levara a tomar a decisão de se mudar para um convento, juntamente com a sua fortuna, exceção do nome Remédios, que foi dado a uma sobrinha neta, Maria de Lourdes, gémea de um Carlos, menina que quis tomar para si e cria-la como filha por não ter filhos, mas como o pedido não fora aceite, pediu então que lhe acrescentassem o seu nome, que em Espanha era nome próprio. Ela sabia que o destino era fluido, porque estava na mão dos homens.

- Não sou mais do que uma mulher iludida, - disse um dia em confissão

- Não Remédios, é uma boa mulher, talvez boa demais para este mundo.

A única maneira de ver a verdade da vida é afastarmo-nos dela, para podermos ver as consequências de todos os pensamentos, de todas as ações. Mas mesmo assim estamos limitados ao tempo e ao espaço, incapazes de definir o nosso destino. Ele só está nas mãos de algumas mulheres.

07
Fev23

153 - A irmã de Cristo (2)

Narciso Baeta

Eva.jpg

Qualquer eternidade é desesperadora, por isso os seus olhos não refletiam nada, estavam esvaziados de sentimentos. A avó de Vitalina inventara uma realidade para a dama de branco, via, dentro Dela, Deus. Pensava Nela para viver num reino virtual, uma terra de nada cheia de si mesmo, onde era invulnerável, invencível, toda-poderosa. Concebeu-se sozinha, o passado sempre chegava e parte dele não se importava com aquilo que deixava. Às vezes Vitalina e a avó ficavam caladas durante longos momentos, até o silêncio se instalar por completo dentro delas, e as almas sentirem a neblina, as rajadas de vento húmido, todos os maus humores dos genes que as habitavam. A rapariga deu um gole no copo cheio de vinho tinto e, elevando-o para o céu estrelado repetiu as palavras que o avô Ezequiel costumava gritar:

- Obrigado Oumuamua pela bebida!

Há treze mil anos os Senhores das Estrelas fizeram os macacos descerem das árvores para apanharem os frutos apodrecidos que já estavam a fermentar e que os punham zonzos. Mudaram-se de sociedades pequenas para grandes e com a bebedeira veio a Humanidade. Tantas vezes Vitalina entrara à socapa na igreja do padre Januário e trouxera Cristo na barriga, pois Ele próprio era o vinho com que o padre se deliciava nas horas de solidão.

19
Nov22

152 - A irmã de Cristo (1)

Narciso Baeta

Eva.jpg

152

A memória raras vezes encontra o lugar em que se perdeu. A avó de Vitalina cruzou-se, só uma vez, com uma senhora cuja brancura permitia ver-lhe os mapas das veias e as zonas lisas do pensamento, e que à medida que andava fazia nascer flores, como se fosse o outro milagre dos pães e dos peixes.

- Esse quem o fez foi o meu irmão, - disse-lhe a desconhecida. – O meu nome é Eva, e acabei de deixar a Argentina.

Através dos filhos persistimos para sempre de alguma forma, porque eles nos impedem de perecer e muitas vezes este amor pode ser uma ruína. Apenas na morte se pode ser imortal. Da mesma maneira que o barão de Água-Izé encontrara o seu amor 144 anos depois do nascimento, Eva também se cruzou com o António Cândido nove anos depois da morte dele no dia 31 de janeiro de 1943, de sarampo com broncopneumonia e abcesso pulmonar na casa de família na rua Fernandes Tomás, 242, Porto, e beijaram-se levemente. Era o dia 26 de julho de 1952, quando ela fechou os olhos e se entregou à eternidade, enquanto o seu corpo era embalsamado, também para sempre.

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